A mina

Artur

As minas eram o principal perigo que enfrentávamos na zona leste de Angola, causando efeitos devastadores, quer nos militares, provocando mortes e feridos muito graves, quer nas viaturas. Apesar disso, até para desanuviar o ambiente e manter a boa disposição, havia sempre quem "brincasse" com situações envolvendo este tipo de engenhos e alguns dos elementos da CART 2731 não fugiam à regra.

Em determinada altura, em que a CART 2731 estava colocada no Luvuei, fomos informados que ia passar por aquela localidade uma coluna com destino a Gago Coutinho, na qual vinha incorporado um batalhão "maçarico" para ir render o que lá estava. O termo "maçarico" era a alcunha dada aos militares que acabavam de chegar do Puto (designação dada pelos militares em Angola a Portugal).

Como era da praxe, os maçaricos eram sempre presenteados com pequenas brincadeiras dos "velhinhos", ou seja, dos militares que já tinham alguma experiência e tempo de guerra. Assim, considerei que era a altura apropriada para treinar aquele Batalhão contra o principal perigo da zona, as minas, e, de imediato, pus o meu plano em prática. Com a colaboração do furriel Brito, ranger, especialista em minas e armadilhas, e do furriel Cardoso, o responsável pela oficina-auto, pintámos uma placa que dizia "PERIGO - ZONA DE MINAS". A placa, a jeito de sinal de trânsito, foi colocada na berma da picada que ligava a localidade do Lungué-Bungo ao Luvuei, um pouco antes desta última localidade. Uns metros mais à frente da placa, enterrámos no meio da picada um frasco de champô vazio, simulando uma mina, com parte da tampa bem visível para que não passasse despercebida.

Quando o condutor do rebenta-minas (nome dado à viatura militar que seguia à frente das colunas motorizadas, normalmente um camião da marca berliet, carregado de sacos de areia para amortecer o efeito de eventuais rebentamentos de minas) chegou ao local, viu a tampa do frasco e o chão remexido à volta, pensando tratar-se de uma mina, deu o alerta. O Tenente-Coronel, que comandava a coluna, mandou fazer alto, organizando a defesa e pondo todos os homens de minas e armadilhas em acção, a fim de levantarem o engenho. Os especialistas lá escavaram com todas as cautelas à volta do frasco, ligando este, através de uma corda, à parte de trás do rebenta-minas, que entretanto tinha feito inversão de marcha, removendo o objecto.

Não será difícil imaginar a cara de espanto e de incredulidade do comandante do batalhão e dos restantes militares que intervieram na operação, quando verificaram que, com todas aquelas precauções, estavam a remover da picada um frasco de champô vazio. O que constatámos foi que o Tenente-Coronel quando chegou ao Luvuei não entrou no nosso aquartelamento e apenas concedeu alguns minutos aos militares sob o seu comando para se dessedentarem no nosso bar com umas cucas e umas nocais (as duas marcas de cerveja mais conhecidas em Angola).

Artur Fernandes
Ex furriel miliciano - CART 2731
Angola, 1971

Última actualização em 2009-04-09
Actualizado por Franquelino Santos, Ex- Furriel Mil. da CART 2731