Luvuei


Luvuei é uma comuna do município de Bundas. Bundas é um município da província do Moxico, com sede na vila de Lumbala Nguimbo (ex-Gago Coutinho). Tem 37 817 km² e cerca de 4 mil habitantes. É limitado a Norte pelos municípios do Moxico e Alto Zambeze, a Este pela Zâmbia, a Sul pelos municípios de Rivungo e Mavinga, e a Oeste pelo município de Luchazes. É constituído pelas comunas de Lumbala Nguimbo, Luvuei, Lutembo, Sessa, Mussuma, Ninda e Chiume.

Luvuei fica situado em pleno coração da mata, completamente isolado do mundo. As cidades mais próximas eram o Luso (actual Luena) a cerca de 300 Kms e Gago Coutinho (actual Lumbala Nguimbo) a cerca de 100 kms, que tinham de ser percorridos através de picadas (estradas de terra batida), normalmente minadas. Talvez por isso, alguém tenha chamado àquela zona "Terras do Fim do Mundo".

Quando fomos transferidos do Luvuei para o Ambriz a picada que ligava o Luso a Gago Coutinho, numa distância de mais de 400 quilómetros, já tinha começado a ser asfaltada. Já havia asfalto desde o Luso até ao Lucusse.

O principal perigo na zona Leste de Angola, onde se situa o Luvuei, eram as minas. Aliás o monumento que se encontrava à porta de armas parece bem sugestivo. No entanto, tinhamos necessidade de nos acautelar, também, para outros possíveis perigos, tais como emboscadas ou ataques ao nosso aquartelamento, até porque na zona havia uma importante base da guerrilha, no Catóio, onde efectuámos algumas operações e onde houve contacto com o inimigo, embora sem consequências muito graves para os militares da CART 2731.

A história daquele monumento conta-se em poucas palavras. Em determinada altura "aterrou" na CART2731, no Luvuei, um militar de seu nome Edgar Fritz Dolgner, que era engenheiro electrotécnico. Mais tarde veio a ser o director da Barragem da Aguieira. Este militar ia fazer o estágio, uma vez que tinha acabado o COM (Curso de Oficiais Milicianos) e a especialidade e foi escolhido para capitão. Tinha, portanto, de fazer um estágio numa unidade, em zona operacional, regressava a Lisboa, era graduado em tenente, fazia o CPC (curso para capitães), era graduado em capitão, formava companhia e era mobilizado. Foi para isso que ele lá esteve 4 meses - fazer o estágio.

Como era engenheiro, embora electrotécnico, viu a sucata que o Furriel Cardoso tinha por lá, junto à oficina, e não esteve com meias medidas: esquissou o monumento, o capitão Pimenta, comandante da CART 2731, deu-lhe o aval, ele engatou lá uns tipos que se ajeitavam como pedreiros, para fazer a pilastra e, a partir daí, foi aplicar-lhe a sucata e assim nasceu o monumento, obra e ideia desse estagiário.

O nosso relacionamento com a população local, que vivia na sanzala, junto ao quartel, era muito boa e talvez isso explique a razão pela qual o nosso quartel só foi atacado uma vez, em 4 de Fevereiro de 1971, enquanto ali permanecemos. Embora fosse a UNITA que exercia mais influência no Leste de Angola, pensa-se que o ataque tenha sido perpetrado pelo MPLA, para comemorar mais um aniversário do início da luta armada em Luanda.

Nesse ataque, efectuado durante a noite, o inimigo utilizou armas ligeiras e morteiros 80, equipamento superior ao que a CART 2731 dispunha, uma vez que só tinhamos armas ligeiras e morteiros 60. Felizmente para nós, o inimigo não devia ter grandes especialistas no manuseamento do morteiro, porque nenhuma das granadas atingiu o nosso aquartelamento, indo cair muitos metros para além do mesmo. Apesar disso, estávamos a correr um grande risco, porque os nossos morteiros não tinham capacidade para alcançar o local donde o inimigo estava a atacar e este, a qualquer momento, podia afinar a pontaria e começar a acertar na área do arquartelmento, o que nos criaria uma situação muito complicada.

Valeu na altura a coragem de um 1º. Sargento, homem muito experiente, já com algumas comissões no Ultramar, que, acompanhado por outro elemento da CART 2731, resolveu pegar num morteiro 60 e num cunhete de granadas e sair do quartel e avançar, mesmo debaixo de fogo cerrado, na direcção do inimigo, até à margem do rio que havia a cerca de 200 metros do quartel. Daí já o nosso morteiro tinha capacidade para atingir o local donde estava a ser efecuado o ataque. Bastaram meia dúzia de morteiradas e o ataque cessou quase de imediato.

Na manhã do dia seguinte, foi efectuada uma operação de reconhecimento à zona, tendo sido encontrada uma arma, junto a um guerrilheiro morto. Foram detectados vários rastos de sangue, o que prova que o inimigo, pelo menos, sofreu 1 morto e retirou com vários feridos. Em relacção à CART 2731, para além do grande susto, o ataque não provocou quaisquer danos.

Os nossos dias estavam sempre muito ocupados. Faziam-se operações com alguma frequência, havia necessidade de, quase diariamente, ir à água e à lenha, faziam-se várias deslocações ao Lutembo, para reabastecer o nosso grupo de combate que ali estava instalado, nas noites que antecediam os dias de MVL, havia necessidade de fazer protecção à ponte que existia na picada entre Luvuei e Lutembo, para evitar que a mesma fosse destruída pelo inimigo, o que sucedeu várias vezes, mas sobrava sempre algum tempo para momentos de lazer.

Nas horas vagas, os nossos principais passatempos eram, essencialmente, o futebol, o jogo de cartas, designadamente king e lerpa, e a caça.

Em frente da porta de armas, no exterior do quartel, havia um campo de futebol improvisado, onde era habitual ver-se, às sete da manhã, pessoal a jogar futebol. Um dos grandes animadores desses jogos era o médico da nossa Companhia, o Dr. Jorge Humberto, figura bem conhecida dos meios desportivos. Jogou na Académica de Coimbra, donde se transferiu para o Inter de Milão. Terá sido uma das primeiras transferências de futebolistas portugueses para o estrangeiro.

Os jogos da cartas eram disputados normalmente depois do jantar até por volta da meia noite. às vezes jogava-se à lerpa, mas, por regra, o jogo preferido era o King. Organizavam-se campeonatos e o vencedor era contemplado com uma garrafa de whysky.

Muitas vezes, nas noites que antecediam o MVL e que havia pessoal da CART 2731 a fazer protecção à ponte, o Comandante da Companhia, depois de acabar o jogo das cartas, por volta da meia noite, pegava no jipe e dizía-nos que ia fazer uma visita e levantar a moral dos homens que estavam no mato.

Bem o tentávamos dissuadir, alertando-o para a perigosidade da aventura, uma vez que, para além de poder cair numa emboscada, tinha de percorrer cerca de 20 quilómetros de picada, onde com frequência o inimigo colocava minas, especialmente nos dias que antecediam a passagem do MVL. Nunca o conseguimos dissuadir, nem nunca quis que o acompanhássemos. Fez isto várias vezes, deixava uma grade de cervejas para o pessoal e voltava trazendo, quase sempre, uma gazela, que caçava pelo caminho.

A caça era um passatempo perigoso. Era praticada, normalmente, à noite. Tínhamos de utilizar holofotes, que denunciavam a nossa localização, pelo que todas as precauções eram poucas. As espécies mais capturadas eram os veados, as gazelas e as pacaças.

As pacaças eram uma espécie de boi selvagem e chegavam a pesar cerca de 600 quilos. Sempre que se caçava um destes animais havia rancho melhorado durante aproximadamente uma semana. Era preciso ter muito cuidado com estes animais, porque quando eram atingidos e ficavam feridos fingiam-se mortos, para poderem atacar os caçadores que inadvertidamente se aproximassem. Assim, sempre que abatíamos uma pacaça, tinhamos o cuidado, antes de lhe tocar, de disparar alguns tiros para a cabeça, embora pensássemos que já estava morta.

O clima no Luvuei era bastante agreste. As temperaturas atingiam durante o dia valores próximos dos 40º C e à noite chegavam a atingir valores negativos. Esta localidade fica situada a largas centenas de quilómetros de distância do mar, pelo que a amplitude térmica nesta zona é muito elevada.

Depois de alguns meses de permanência neste inferno, a CART 2731 foi substituída, em Junho de 1971, pela Companhia de Caçadores 3369 e transferida para o Ambriz, um paraíso, se compararmos as duas localidades. A distância entre Luvuei e Ambriz é de cerca de 1.500 quilómetros.

Última actualização em 2009-04-09
Franquelino Santos, Ex- Furriel Mil. da CART 2731