Encontro anual da CART2731

Caros camaradas e amigos,

Ainda ecoam nas encostas verdejantes do Douro vinhateiro, os sons dos risos e da música da noite de S. João no Porto, e a CART2731 reúne-se para mais um Encontro anual, desta vez em S. Martinho de Antas – terra natal de Miguel Torga.

O ilustre escritor e médico que, logo após o 25 de Abril afirmava: o meu Partido é a Liberdade, querendo com essa simples frase vincar o grande valor da liberdade de pensamento como um direito sagrado à opinião que, cada um de nós deve exercer exactamente assim.

É a esse direito à Liberdade que apelo ao defender e exercer aqui, aquilo que considero ser o caminho certo e seguro na defesa da memória, da amizade e da solidariedade que existe entre os ex-combatentes da CART2731.

Camaradas, amigos.

Estivemos presentes neste Encontro, em 25 de Junho de 2016, entre 60 a 70 pessoas, das quais talvez menos de 40% eram ex-combatentes (deixo ao Seco e ao Franquelino a oportunidade para nos fornecerem números certos), sendo os restantes familiares e amigos.

É o imperativo de manter viva a memória dos que já partiram e a memória, camaradagem, amizade e, até algumas salutares “inimizades”, dos que ainda se encontram entre nós que justifica estas minhas palavras de fundamentalista das ideias - segundo o nosso camarada Fernandes, e porquê?

Porque, eu e outros como eu, gostavam muito de, antes de ficar impedido pela idade ou mesmo pela morte (minha ou de outro qualquer camarada de armas), voltar a ver e abraçar, (passados mais de 40 anos) o maior número possível de camaradas que connosco choraram e riram no Leste e no Norte de Angola nos já longínquos anos de 1970/72.

Cada novo reencontro, além da alegria genuína em rever um camarada é também a oportunidade de enaltecer a amizade ou lavar alguma mágoa que possa ter permanecido.

Aparentemente, pelo contrário (tese em que não acredito), há outros que se contentam com mais um almoço de amigos, e muitos desconhecidos, pois só esta tese absurda justifica que se fique abespinhado com a opinião de que a data (25/6) era inapropriada para o Encontro anual da CART2731.

Passemos ao essencial.

Com quase 70 anos, a maioria de nós, faz um esforço físico e porque não dize-lo também financeiro, para quase todos os anos se deslocar na data marcada ao Encontro da CART2731.

Alguns infelizmente muito poucos já, vem religiosamente todos ou quase todos os anos das ilhas da Madeira e Porto Santo e muito raramente nos alegra com a sua presença um açoriano, o Medeiros.

Só os portugueses em todo o Mundo reconhecem e sentem a palavra “Saudades” associada ás longas ausências, (no tempo das descobertas), em ambientes inóspitos em águas e terras distantes da nossa Pátria Amada, (muitas vezes injustamente vilipendiada pelos ignorantes), rodeados pelos seus camaradas de intento, mas também pela ignorância que alimentava a força e a grandeza dos seres até aí desconhecidos, transformando em feras e monstros animais e homens dos outros continentes.

Os quase três anos para alguns, de suor, lágrimas e sangue, criaram em nós homens da 2731, do mais sensível ao mais empedernido, sentimentos de camaradagem fraterna que não morrem nem definham, mesmo que cada um de nós não se aperceba, passados mais de 40 anos.

Assim, essas saudades e camaradagem, levam aqueles que ainda se encontram motivados e podem, a deslocar-se anualmente ao Encontro da CART2731.

Só que cada ano que passa, somos menos ex-combatentes presentes no Encontro anual, e porquê?

- Porque, estamos todos mais velhos e alguns adoecem e ficam impedidos e outros naturalmente esgotaram os seus dias entre nós;
- Porque os recursos financeiros, nestes tempos difíceis, não o permitem;
- Porque, alguns de nós tem outras motivações, mais atractivas e porventura com menos despesa.

Eu julgo que cada um que, em cada ano deixa de estar presente, pode de facto ser por uma destas três razões, e(ou) excepcionalmente por qualquer outro motivo de agenda pessoal ou familiar.

A primeira razão, forte e transcendente não pode ser ultrapassada por muito que gostássemos; mas a segunda e a terceira com bom senso e imaginação poderiam ser minimizadas. Como?
Quanto à segunda razão: - reduzindo os custos relativos da deslocação, da refeição e da logística do Encontro, apelando à imaginação e disponibilidade do(s) organizadores;
Quanto à terceira razão: - aumentando a motivação gerada pelo Encontro, criando uma expectativa diferente em cada ano, pela novidade do próprio Encontro, pela presença previamente anunciada dos camaradas que nunca tenham estado presentes ou que há muito tempo que não estão, e pela exclusividade do próprio Encontro e da sua organização.

Senão vejamos. No que se transformou (em síntese) o Encontro anual da CART2731.
1 – Numa deslocação, que para a grande maioria de nós, é de centenas de quilómetros, que inclui por vezes uma ou duas dormidas;
2 – Num almoço mais ou menos bem servido considerando os 30 euros em média por pessoa, num qualquer local, na companhia de duas dezenas e meia de camaradas e seus familiares e de alguns ilustres desconhecidos;
3 – Uma vez por outra, inclui uma visita tipo cultural, como foi o caso deste ano (que aproveito para enaltecer), mas que na maioria dos anos se esgota no almoço;
4 – Meia dúzia de minutos de conversa de circunstância com dois ou três camaradas, pois, a maioria do tempo do Almoço/Encontro é passado com os nossos próprios familiares e com um ou outro amigo mais íntimo (do mesmo Grupo de combate, da mesma especialidade ou da mesma zona de residência).

Convenhamos que para motivação é pouco para quem tem já quase 70 anos, ou mesmo mais no caso dos sargentos e oficiais. Digo mesmo muito pouco se pensarmos que os 25 ex-combatentes presentes, somos quase sempre os mesmos com uma ou outra alteração, não acham?

A data? Porquê no fim de Junho?

- Quando, os custos das refeições e das dormidas já estão inflacionados devido ao aumento da procura motivada pela presença de turistas e emigrantes e a própria qualidade diminui, qual a razão que tem levado a que o Encontro seja nestas datas de Junho, designadamente este ano a 25 de Junho (a seguir ao S. João)?

Resposta: Porque, um grupo de amigos que todos os anos nos brinda com a sua animada presença, quer vir ao S. João, no Porto. Sim Senhor, um motivo, e importante pelo menos para o grupo de amigos, (que aliás se vai alterando todos os anos e muito bem, salvo algumas excepções), grupo que gosta muito de almoçar connosco.

Na prática, chegam, comem e bebem pagam e dançam muito animadas se puderem, e, vão embora, pois, nada tem para nos dizer que nos alegre ou entristeça nem nós a elas.

Mas o Encontro, não deveria ser motivador para os ex-combatentes e seus familiares e eventualmente para os seus amigos?

Não deveria ser algo de que estivéssemos à espera com expectativa?

Em que os actores (as estrelas) fossem os ex-combatentes e a plateia os seus familiares e amigos?

Isto é, o que eu e a grande maioria de vocês pensam concerteza, que eu aqui alego em defesa da camaradagem e da memória de todos e de cada um guarda no seu íntimo, alguns aliás de forma bem vincada.

Mas tem sido mais fácil ceder aos argumentos desinibidos de alguns, qual canto de sereias que encantou Ulisses.

- O Encontro deveria ter obrigatoriamente uma recepção e informação aos ex-combatentes, sobre a actividade prevista para o Encontro e sobre o que se passou durante o ano que entretanto decorreu. Quem infelizmente faleceu? Quem nasceu (neto ou neta de fulano)? Quem está infelizmente doente? Quanto somos? Porque não vieram o fulano e o beltrano? O que se passou de mais relevante?

Está claro que isto dá trabalho e dispêndio de tempo!

Deveria incluir sempre algo que transmitisse aos nossos filhos e netos alguma coisa sobre a nossa experiência na guerra em África. Poderia passar por uma apresentação/descrição promovida pelo organizador(s) sobre a sua própria vivência de um ou outro acontecimento mais marcante, as suas alegrias e tristezas, seria como um desabafar perante os seus iguais, o que para alguns porventura seria benéfico.

A refeição deveria ser servida, ou em self-service ou em mesas corridas (tipo messe), em que os ex-combatentes ficassem juntos, perto uns dos outros, nem que fosse só em parte do almoço – com as nossas famílias passamos o ano inteiro, logo eles compreendiam – sem organizar grupinhos de amigos, sentados aleatoriamente.

- Deveria incluir uma breve discussão “interna”, sobre o próximo local para o Encontro, atendendo à centralidade em relação à diversidade geográfica das residências, mas também à motivação que o local, se bem escolhido, criaria para a grande maioria dos ex-combatentes.

É diferente dizer: vamos a almoçar a um qualquer café/restaurante em qualquer uma aldeia, ou, dizer vamos almoçar uma caldeirada a Peniche, ou um cabrito à serra da estrela, ou uma sardinhada a Portimão. Se a este almoço mais apelativo juntarmos a visita a um monumento ou local de interesse turístico é bem diferente, não acham?

- Deveria esta procura considerar que alguns de nós tem de ser visitados – pois não podem já visitar.

Só uma última questão. Porque é que alguns de nós nunca vieram?

Será porque não gostam dos outros? Não acredito. Vamos esforçarmo-nos para os trazer.

Espero que estas minhas palavras sejam entendidas só como um alerta, sem ser contra ninguém pelo contrário a favor de todos, mas que possam dar novo alento e vigor ao Encontro anual da CART 2731.

Um abraço para cada um de vocês.

Manuel Guinapo
29 de Junho de 2016

Última actualização em 2016-06-29