O baptismo

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Os anos vão passando e, embora seja para mim impossível esquecer a minha minha passagem por Angola como militar, tenho já, nalguns casos, alguma dificuldade em reconstituir o meu percurso naquela grande aventura por aquelas paragens.

No entanto, neste meu relato não tenho dúvidas do que começo a descrever, dado que os acontecimentos de então me marcaram para o resto da minha vida.

Vou, por isso, partilhar com os meus companheiros de armas de outrora e reviver algumas situações críticas que vivi com alguns deles nessa grande aventura da tropa por terras de Angola.

Depois de uma viagem um tanto atribulada naquele navio Timor de má memória até ao largo de S. Tomé, onde fui acometido durante um dia inteiro com dores de toda a natureza tive de ser evacuado de urgência, porque estava à rasca e fui operado à apendice no hospital dessa ilha, onde por sorte fui muito bem tratado; segundo o relato dos que me prestaram assistência nessa hora de aflição, não morri por sorte (como bem escrevi no meu pequeno diário).

Desde esse dia até à chegada à minha Companhia (CART 2731), para os lados do Mochico, no Lucusse, passei por alguns episódios, talvez ridículos, só vividos por um tropa sózinho à procura de se encontrar com os seus companheiros de aventura ou desventura!..

Mas há sobretudo um caso durante este percurso ao qual quero dar realce neste momento e que continua bem vivo na minha memória depois de tantos anos passados. Ao mesmo eu chamei o dia do "baptismo".

Eis que chega o dia 10 de Junho de 1970. São tantos ainda os que se recordam desse dia!.. Eu de uma maneira muito especial, talvez pelo perigo que corri, sem me aperceber muito bem do que estava a acontecer, integrado no MVL, sem arma e empoleirado em cima do rebenta-minas, do Luso até ao Lucusse; aí pelas 10 horas, depois da passagem da Mercedes, rebenta a primeira mina num carro civil de mercadorias, algumas horas de paragem e muita confusão; abertura da ração decombate pela primeira vez!..

Um quilómetro mais à frente, mais coisa menos coisa, depois de uma guinada para o lado, por instinto do condutor Amaro, rebenta a segunda mina no reboque da mesma, depois de termos passados ilesos, levámos com uma pazada de terra nas costas!..

Primeiro salvo de improviso, sem saber bem onde me proteger!.. Talvez debaixo da velhinha mercedes, ou parado no meio da picada, indeciso naquele momento de angústia.

A desordem reinava (não só na bagagem) mutilada pelo rebentmento da mina mas também no meu coração e na mina cabeça. A minha fé nesse momento de aflição era mais pequena do que um grão de mostarda!..

Vi e ouvi o Amaro chorar, um choro sem lágrimas, talvez de indignação e de impotência.

O Amaro, um companheiro como tantos em tantas horas de alegria e tristeza, um Amigo que infelizmente já nos deixou "paz à sua Alma".

Termino aqui esta narrativa porque estou emocionado e sem jeito para continuar, retomarei noutra ocasião, pois a aventura deste dia ainda não acabou aqui!..

Álvaro Seco

13 de Maio de 2017